Kings Bonsai

SELAR OU NÃO OS CORTES? TEORIA DA COMPARTIMENTALIZAÇÃO



English version here:http://cartagenabonsai.blogspot.com.br/2013/10/seal-or-not-compartmentalization-theory.html

Matéria traduzida e publicada com autorização do autor Sergio Martinez, o texto original pode ser acessado através do link abaixo:
 http://cartagenabonsai.blogspot.com.br/2013/10/sellar-o-no-las-heridas-teoria-de-la.html

Selar ou não os cortes das nossas plantas? Parece uma pergunta difícil de responder, mas não devia ser. Depois de ler este artigo, tire suas próprias conclusões. Um dos conceitos que gera controvérsias entre os iniciantes e até mesmo alguns bonsaistas mais experientes é o uso de massas, pomadas e pastas chamadas de "cicatrizantes", mas elas são realmente necessárias? Se foi comprada para tal uso, não seriam? Este tema vem de um debate que encontrei na net em relação a um artigo de Walter Pall. Walter é conhecido por ser bastante crítico com práticas que não estão de acordo sua linha de raciocínio e trabalho, e na maioria dos casos, não sem razão. Citação em seu artigo The Compartimenting Theory of Dr. Shigo. É possível que depois de ler o que Walter escreveu você considere o assunto um pouco confuso se você não está muito familiarizado com a fisiologia das plantas e é por isso que eu resolvi esclarecer um pouco mais o assunto. Quanto à questão de selar ou não o corte de  uma planta devemos primeiro saber como funciona o processo de cicatrização, certo? 
Se algum de nós se ferir, nosso corpo vai selar rapidamente a ferida e dentro de algumas semanas a pele regeneradora (casca da ferida) desaparecerá. Se a ferida for maior teremos que desinfetar e cobrir o ferimento com gaze ou outro material (selar) ou até mesmo enfaixar e amarrar para estancar até o sangramento parar, mas assim como nos pequenos cortes o nosso corpo trabalhará para reparar o local da ferida maior também. Mas as árvores funcionam como nós? Obviamente não e mesmo assim insistimos em aplicar pastas e bálsamos para selar as suas feridas.

O Patologista americano Alex Shigo

Parece incrível, mas foi somente em 1985 (tão tarde para provar algo tão óbvio) quando o patologista americano Alex Shigo apresentou para a sociedade através da revista Scientific American a sua "Teoria da Compartimentalização"



Dr. Shigo (1930-2006) é considerado o "pai da arboricultura moderna". Realmente um personagem com uma ótima filosofia de vida. São suas algumas citações famosas como "Se o estudo de algo exige muito esforço e trabalho, provavelmente não estava sendo estudado de perto". O Dr. Shigo foi criticado por seus colegas professores que franziram a testa por causa da principal ferramenta usada pelo professor, uma motosserra. Em 1959 ele foi contratado pelo Serviço Florestal dos EUA para investigar as causas do apodrecimento das árvores. Com a  motoserra em mãos retalhou centenas de árvores, o que ajudou a tirar suas próprias conclusões e avançar na sua teoria.

Os animais são curados, as árvores compartimentalizam

Se algum mamífero fizer um grande corte em algum membro provavelmente terá que ser amputado rapidamente para que o ferimento não "gangrene" e espalhe a infecção por todo o corpo. Em vez disso, gostamos de deixar nos bonsais jins e sharis, bastante madeira morta para aumentar o efeito dramático. Essas partes estão mortas e a árvore não "gangrena". Será que as árvores devem ser cuidadas de maneira diferente dos mamíferos?

Mas de volta à teoria do Dr. Shigo. De agora em diante, chamaremos de CODIT graças à mania dos americanos de compactar palavras com mais de 7 sílabas. Em sua carreira o Dr. Shigo compilou mais de 100 mitos errôneos sobre a arboricultura e um desses mitos foi justamente o que dizia que "temos que selar os cortes das podas para evitar a podridão". Durante séculos e até hoje é praticado a selagem dos cortes com substâncias impermeáveis ​​ e até pesticidas para proteger feridas expostas ao ataque de agentes patogênicos, insetos e fungos, mas o Dr. Shigo mostrou que a árvore é capaz isolar a ferida para não invadir o tecido vivo. A pasta pode servir mais para proteger o patógeno, criando um aumento na temperatura e umidade na área que para a proteção da árvore. Uma árvore pode parecer saudável ainda que tenha muitas infecções, estas são separadas por barreiras, compartimentalizando-as e isolando-as para controlar a contaminação das demais partes da planta. 


Veja abaixo a teoria do Dr. Shigo de modo simplificado, sem entrar em detalhes técnicos.


Barreira 1 

Tem ação imediata. As células do floema, do xilema e do cambium são quebradas pelo ação mecânica do que provocou a ferida ou corte e produzem compostos que alertam sobre a localização da ferida na árvore, simultaneamente iniciam a resistência à possíveis ataques microbióticos. Protege a ferida no sentido vertical, ou seja, para cima e para baixo no tronco


Barreira 2
Resiste à propagação para dentro. A barreira começa a partir do primeiro anel de floema intacto mais próximo da ferida. (na imagem à direita em azul mais escuro).


Barreira 3
Resiste à propagação radial para os lados. É produzido a partir dos raios centrais. Na imagem acima em verde fluoreescente.

Barreira 4

Geração de novas células formando um calo ou cicatriz. Na imagem acima em azul claro (bordas).


Abaixo alguns exemplos desta barreira 4. Nos bonsais conhecidos como "cicatrização das bordas" ou "borda da veia viva"

 


Na imagem acima, você pode ver as marcas de uma infecção antiga já totalmente compartimentada. 


 O acima exposto e as imagens são apenas um breve esboço sobre a teoria da compartimentalização (CODIT). Convido você a ler o artigo completo escrito pelo Dr. Shigo, bem como a aprender mais sobre a sua pesquisa. Vale realmente a pena.


Vamos ver como essa teoria deveria agir nos bonsai

Nos bonsais o mais importante é sempre trabalhar com as ferramentas certas. Devemos sempre obter cortes limpos para garantir uma rápida cura e cicatrização dos mesmos.

No trabalho de madeira morta, o primeiro e básico é demarcar corretamente a veia viva. É uma tarefa que devemos verificar e repetir a cada temporada no caso de não ocorrer uma correta cicatrização. E porque se faz isso? Se a veia viva não estiver claramente delimitada com um
corte limpo e sem esmagamentos onde seja possível visualizar o limite entre a parte viva e a parte morta é possível que a árvore vá se enfraquecendo e cada vez tenha menos parte viva. "Para que sare tem que ferir de novo, mas da forma correta".
Mas é necessário que selar  a ferida com pastas e pomadas cicatrizantes? A resposta é NÃO. Com poucas exceções.

 
Resultado de uma pequena experiência. A ferida à esquerda foi selada com pasta cicatrizante e a da direita não. Ambas cicatrizaram e onde foi aplicada pasta ficou uma marca cinzenta feia do produto aplicado que vai sair com o tempo, mas demora,

Na imagem acima, podemos ver um grande calo resultante da cicatrização, mas os restos da pasta cicatrizante permanece mesmo depois de decorridos cinco anos após a aplicação.

Boa cicatrização em macieira sem ajuda de pasta cicatrizante


Quando nós podemos aplicar a pasta cicatrizante?

O texto abaixo é uma opinião inteiramente pessoal, mas que eu quero transmitir como biólogo que sou e especialmente com a minha experiência no cultivo de bonsai.

Algumas espécies cicatrizam pior do que outras. Sempre dependendo da sua resistência e saúde no momento da poda. Outras tendem a escorrer a seiva nos galhos cortados podendo até secar algumas ramas. O Dr. Shigo, entre muitos estudos, descobriu que havia uma forte barreira na junção dos galhos com o tronco, então, se um patógeno pudesse entrar através da lesão inicial ele poderia secar o galho até o tronco, mas encontraria uma barreira forte que o impediria de contaminar o restante a planta. Em algumas espécies, a perda de seiva (às vezes sem razão aparente) em algum galho e consequentemente a perda do mesmo é muito comum, Poplars, Aceres, Bouganvilleas, etc.. Nessas espécies é mais recomendável selar com produtos facilmente removíveis. Somente a nossa experiência é capaz de nos mostrar quando remover esta proteção. Algumas vezes leva alguns dias. Uma opção válida e mais barata é o uso de argila ou até mesmo a opção do Walter Pall, a gordura do leite. Se você estiver usando argila colorida certamente não se esquecerá de retirar logo. 

Também é recomendável após a realização de grandes cortes decorrentes das podas em épocas de grande atividade para a planta. Nestes casos, você pode produzir um forte "sangramento". Um estanque temporário pode ser interessante. 

Terminamos este artigo com uma declaração do Dr. Shigo: 

"Se está escrito, é verdadeiro? A verdade é transitória e envolve conhecimento. Nem tudo o que está nos livros é correto, muito menos o que está nos jornais ou na internet. Se não tem certeza, procure ajuda de um especialista e se você puder a mais de uma pessoa"

By Sergio Martinez